quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

O Futuro e o Nada






1. Vivemos, pensamos e operamos — eis o que é positivo; e que morremos, não é menos certo. Mas, deixando a Terra, para onde vamos?
Que seremos após a morte? Estaremos melhor ou pior? Existiremos ou não? Ser ou não ser, tal a alternativa. Para sempre ou para nunca mais; ou
tudo ou nada: Viveremos eternamente ou tudo se aniquilará de vez? É uma tese, essa, que se impõe.

Todo homem experimenta a necessidade de viver, de gozar, de amar e ser feliz. Dizei ao moribundo que ele viverá ainda; que a sua hora é retardada;
dizei-lhe sobretudo que será mais feliz do que porventura o tenha sido, e o seu coração rejubilará.
De que serviriam, então, essas aspirações de felicidade, se um leve sopro pudesse dissipá-las?
Haverá algo de mais desesperador do que esse pensamento da destruição absoluta? Afeições caras, inteligência, progresso, saber laboriosamente
adquiridos, tudo despedaçado, tudo perdido! De nada nos serviria, portanto, qualquer esforço na repressão das paixões, de fadiga para nos ilustrarmos, de devotamento à causa do progresso, desde que de tudo isso nada aproveitássemos, predominando o pensamento de que amanhã mesmo, talvez, de nada nos serviria tudo isso. Se assim fora, a sorte do homem seria cem vezes pior que a do bruto, porque este vive inteiramente do presente na satisfação dos seus apetites materiais, sem aspiração para o futuro.
Diz-nos uma secreta intuição, porém, que isso não é possível.

2. Pela crença em o nada, o homem concentra todos os seus pensamentos,
forçosamente, na vida presente.
Logicamente não se explicaria a preocupação de um futuro que se não espera.
Esta preocupação exclusiva do presente conduz o homem a pensar em si, de preferência a tudo: é, pois, o mais poderoso estímulo ao egoísmo, e o incrédulo é consequente quando chega à seguinte conclusão: Gozemos enquanto aqui estamos; gozemos o mais possível, pois que conosco
tudo se acaba; gozemos depressa, porque não sabemos por quanto tempo existiremos.
Ainda consequente é esta outra conclusão, aliás mais grave para a sociedade: Gozemos apesar de tudo, gozemos de qualquer modo, cada
qual por si; a felicidade neste mundo é do mais astuto. E se o respeito humano contém a alguns seres, que freio haverá para os que nada temem?
Acreditam estes últimos que as leis humanas não atingem senão os ineptos e assim empregam todo o seu engenho no melhor meio de a elas
se esquivarem. Se há doutrina insensata e antissocial, é, seguramente, o niilismo que rompe os verdadeiros laços de solidariedade e fraternidade, em que se fundam as relações sociais.


Fonte: O Céu e o Inferno 
Parte Primeira, Capítulo 1 
Autor: Allan Kardec

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