quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

O FUTURO E O NADA




8. A este sistema podem opor-se inumeráveis objeções, das quais são estas as principais: não se podendo conceber divindade sem infinita perfeição, pergunta-se como um todo perfeito pode ser formado de partes tão imperfeitas, tendo necessidade de progredir? Devendo cada parte ser submetida à lei do progresso, força é convir que o próprio Deus deve
progredir; e se Ele progride constantemente, deveria ter sido, na origem dos tempos, muito imperfeito.
E como pôde um ser imperfeito, formado de ideias tão divergentes, conceber leis tão harmônicas, tão admiráveis de unidade, de sabedoria
e previdência quais as que regem o universo? Se todas as almas são porções da Divindade, todos concorreram para as Leis da natureza;
como sucede, pois, que elas murmurem sem cessar contra essas leis que são obra sua? Uma teoria não pode ser aceita como verdadeira senão com
a condição de satisfazer a razão e dar conta de todos os fatos que abrange; se um só fato lhe trouxer um desmentido, é que não contém a verdade absoluta.

9. Sob o ponto de vista moral, as consequências são igualmente ilógicas.
Em primeiro lugar é para as almas, tal como no sistema precedente, a absorção num todo e a perda da individualidade. Dado que se admita, consoante a opinião de alguns panteístas, que as almas conservem essa individualidade, Deus deixaria de ter vontade única para ser um composto de miríades de vontades divergentes.
Além disso, sendo cada alma parte integrante da Divindade, deixa de ser dominada por um poder superior; não incorre em responsabilidade por
seus atos bons ou maus; soberana, não tendo interesse algum na prática do bem, ela pode praticar o mal impunemente.

10. Ademais, estes sistemas não satisfazem nem a razão nem a aspiração humanas; deles decorrem dificuldades insuperáveis, pois são impotentes
para resolver todas as questões de fato que suscitam. O homem tem, pois, três alternativas: o nada, a absorção ou a individualidade da alma antes
e depois da morte.
É para esta última crença que a lógica nos impele irresistivelmente, crença que tem formado a base de todas as religiões desde que o mundo
existe.
E se a lógica nos conduz à individualidade da alma, também nos aponta esta outra consequência: a sorte de cada alma deve depender das suas qualidades pessoais, pois seria irracional admitir que a alma atrasada do selvagem, como a do homem perverso, estivesse no nível da do sábio, do homem de bem. Segundo os princípios de justiça, as almas devem ter a responsabilidade dos seus atos, mas para haver essa responsabilidade, preciso é que elas sejam livres na escolha do bem e do mal; sem o livre-
arbítrio há fatalidade, e com a fatalidade não coexistiria a responsabilidade.

11. Todas as religiões admitiram igualmente o princípio da felicidade ou infelicidade da alma após a morte, ou, por outra, as penas e gozos futuros, que se resumem na doutrina do Céu e do inferno encontrada em toda parte.
No que elas diferem essencialmente, é quanto à natureza dessas penas e gozos, principalmente sobre as condições determinantes de umas e de
outras.
Daí os pontos de fé contraditórios dando origem a cultos diferentes, e os deveres impostos por estes, consecutivamente, para honrar a Deus e alcançar por esse meio o Céu, evitando o inferno.


Fonte: O Céu e o Inferno
Capítulo: 1 
Allan Kardec

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