quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

O Futuro e o Nada





5. Há uma doutrina que se defende da pecha de materialista porque admite a existência de um princípio inteligente fora da matéria: é a da
absorção no Todo Universal.
Segundo esta doutrina, cada indivíduo assimila ao nascer uma parcela desse princípio, que constitui sua alma, e dá-lhe vida, inteligência e sentimento.
Pela morte, esta alma volta ao foco comum e perde-se no infinito, qual gota d’água no oceano.
Incontestavelmente esta doutrina é um passo adiantado sobre o puro materialismo, visto como admite alguma coisa, quando este nada
admite. As consequências, porém, são exatamente as mesmas.
Ser o homem imerso em o nada ou no reservatório comum, é para ele a mesma coisa; aniquilado ou perdendo a sua individualidade, é como
se não existisse; as relações sociais nem por isso deixam de romper-se, e para sempre.
O que lhe é essencial é a conservação do seu eu; sem este, que lhe importa ou não subsistir?
O futuro afigura-se-lhe sempre nulo, e a vida presente é a única coisa que o interessa e preocupa.
Sob o ponto de vista das consequências morais, esta doutrina é, pois, tão insensata, tão desesperadora, tão subversiva como o materialismo propriamente dito.

6. Pode-se, além disso, fazer esta objeção: todas as gotas d’água tomadas ao oceano se assemelham e possuem idênticas propriedades como partes de um mesmo todo; por que, pois, as almas tomadas ao grande oceano da inteligência universal tão pouco se assemelham? Por que o gênio e a estupidez, as mais sublimes virtudes e os vícios mais ignóbeis? Por
que a bondade, a doçura, a mansuetude ao lado da maldade, da crueldade, da barbaria? Como podem ser tão diferentes entre si as partes de
um mesmo todo homogêneo? Dir-se-á que é a educação que a modifica?
Neste caso donde vêm as qualidades inatas, as inteligências precoces, os bons e maus instintos independentes de toda a educação e tantas vezes
em desarmonia com o meio no qual se desenvolvem?
Não resta dúvida de que a educação modifica as qualidades intelectuais e morais da alma, mas aqui ocorre uma outra dificuldade: Quem dá a esta a educação para fazê-la progredir? Outras almas que por sua origem comum não devem ser mais adiantadas. Além disso, reentrando
a alma no Todo Universal donde saiu, e havendo progredido durante a vida, leva-lhe um elemento mais perfeito. Daí se infere que esse Todo se
encontraria, pela continuação, profundamente modificado e melhorado.
Assim, como se explica saírem incessantemente desse Todo almas ignorantes e perversas?

7. Nesta doutrina, a fonte universal de inteligência que abastece as almas humanas é independente da Divindade; não é precisamente o
panteísmo. O panteísmo propriamente dito considera o princípio universal de vida e de inteligência como constituindo a Divindade. Deus é concomitantemente
Espírito e matéria; todos os seres, todos os corpos da natureza compõem a Divindade, da qual são as moléculas e os elementos constitutivos; Deus é o conjunto de todas as inteligências reunidas; cada
indivíduo, sendo uma parte do todo, é Deus ele próprio; nenhum ser superior e independente rege o conjunto; o universo é uma imensa república
sem chefe, ou antes, onde cada qual é chefe com poder absoluto.


Fonte: "O Céu e o Inferno"
Allan Kardec

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